Post baseado na tese de mestrado de Diego Nunes
Reis na PUCRS: Homens Distintos, Consumo,
Construção do Corpo e Identidade Gay Viril.
Como já falei em outros posts, acredito que tudo ocorre por alguma razão. Dessa
forma, falo nesse post sobre comportamento de uma “grupo” em
específico dentro do grande mundo gay: as “barbies”. Por que valorizam tanto a estética? Por que normalmente não se relacionam com homens mais
efeminados? O que os motivou a assumirem essa postura?
Sempre bem vestidos

Segundo Nunan
(2002), há pontos que homossexuais se diferenciam de heterossexuais em relação
ao consumo:
•
são mais individualistas por terem mais
dificuldade de se casar e ter
filhos;
•
necessitam de uma interação social a mais, devido
ao fato de sofrerem um isolamento social;
•
normalmente não gostam de rotina e buscam por
novas experiências de vida e
•
Precisam descontrair um pouco por causa do
estresse
Para complementar essa ideia, mostro para vocês a definição de luxo,
proposta por André D’Angelo (2006): “Para
ser considerado um produto de luxo (…) deve-se informar ao consumidor que o
processo de fabricação possui qualidades superiores, com matérias primas
consideradas sofisticadas, tecnologia de última geração e técnicas artesanais.
Além disso, o luxo é mais caro quando comparado aos produtos e serviços
semelhantes existentes no mercado. Outra característica (…) do luxo é sua
exclusividade (…)”.
O antropólogo Diego Reis (2013), que
realizou uma pesquisa sobre o consumo e construção do corpo entre os gays
masculinos, afirmou em um momento de seu texto: “Pude vislumbrar que muitos jovens que
sofreram algum tipo de estigmatização por sua orientação sexual utilizam o
consumo de grandes marcas para comunicar sucesso, prestígio, “bom gosto” e
poder aquisitivo.”
Diante disso, aliado ao fato de que alguns necessitam comprar, com a
finalidade de definir sua identidade, ao demonstrar status, “bom gosto”,
superioridade e exclusividade, (através de produtos de luxo) é óbvio que
sempre veremos as “barbies” bem vestidas e normalmente com roupas de grandes
marcas.
Sempre bem sarados
Diego cita em sua tese que um psiquiatra alemão, Carl Westphal, em
1870 publicou um artigo chamado “As sensações sexuais contrárias”. Depois de publicado os homossexuais
começaram a ser taxados de doentes e não mais "pecaminosos”.
Antes das “barbies” aparecerem por volta de 1990, como podemos
observar pelo artigo de Westphal, os corpos de gays eram tratados como algo
pecaminoso, frágil, delicado e muito efeminado. Assim, os homossexuais daquela
época sofreram muito preconceito em relação a tudo isso. Talvez como estratégia de defesa, muitos gays passaram a evitar fortemente tudo o que costuma ser discriminado pela
sociedade em relação aos gays, e por causa disso, começaram a frequentar
academias, com o objetivo de evitar e transformar os
corpos delicados, frágeis e efeminados. Levando em consideração que muitos desses
gays normalmente não são assumidos no ambiente familiar e profissional, e que
esse “corpo musculoso” é usado para afastar a ideia de qualquer pessoa sobre
sua homossexualidade,
podemos chegar a conclusão de que tudo isso é também uma busca pela construção da própria identidade, além de uma defesa diante da
sociedade.
E pensem! Usar o corpo como meio de
demonstrar que gays também podem ter os códigos masculinos (impostos pela
sociedade) é uma tática muito eficiente, já que não é preciso parar alguém na
rua e tentar convencer que você é “masculino”, uma vez que a pessoa chegará a
essa conclusão apenas por observar as características masculinas em seu corpo. Os trejeitos
femininos quando são observados em gays, normalmente são inatos, pois acredito que mesmo eles não querendo, irão “dar pinta”. Como pode
ser observado nesse artigo aqui do Armário Transparente : Homens
Femininos e Mulheres Masculinas. Dessa
forma, é muito mais fácil e bem mais eficaz trabalhar seus músculos para eles
crescerem ao invés de tentar controlar seus atos.
Assim como as roupas que vestimos, nosso corpo também transmite uma
expressão do que queremos ser, o que estamos sentindo ou onde estamos. Por isso
as chamadas "barbies" usam seus corpos para transmitir, de alguma forma,
que gays podem ter os códigos masculinos: virilidade, voz grossa, rosto não
delicado e ombros largos. Assim
conseguem, por meio dos seus corpos, e não gestos, transmitirem suas mensagens,
opiniões e indignações perante à sociedade.
Sempre bem viris
Trevisan (1998), em seu livro “Seis Balas
Num Buraco Só: a Crise do Masculino”, fala sobre a construção do masculino e
chega à conclusão de que os padrões que impõe ao corpo dos homens, a maneira de se comportar e vestir são
explicitamente rígidos e menos flexíveis que os femininos.
Dessa forma, fica mais claro para nós o porquê que algumas pessoas,
inclusive alguns gays, se sentirem
tão incomodados com gays com trejeitos femininos. Pois na maioria das vezes os
homossexuais nega a masculinidade, aproximando mais do gênero feminino: voz
fina, trejeitos e feições delicadas. Através
desses fenótipos que os gays foram
(e ainda são) historicamente identificados
e a partir desse fato o senso
comum passou a definir que todos os indivíduos que
possuíssem essas características eram gays e consequentemente
"doentes". E com o intuito de não serem vistos como doentes e
pecaminosos, as “barbies” foram no sentido contrário a esses gays para não
receberem isso tipo de estereótipo.

Esses preconceitos da sociedade talvez expliquem as agressões físicas e
verbais nas ruas, mesmo não
sendo uma justificativa plausível. Se
fosse realmente normal, a maioria dos homens ofenderia os gays verbal e
fisicamente e não é isso que vemos. Assim, é explícito que esses agressores
possuem algum desvio de comportamento que os fazem partir para agressão somente
impulsionados por um incômodo causado por atitude alheia.
Vontando ao texto do
antropólogo Diego Reis, seleciono uma passagem que considero importante, em que
ele mostra, através do contato com as histórias de vida e suas observações: “Os gays viris (modo como Diego chama as
“barbies”) se diferenciam dos heterossexuais, não somente pela orientação do
desejo, mas também pela frequência aos espaços de sociabilidade em circuitos
voltados para o público gay”.
Dessa forma, as “barbies” (homens musculosos,
viris e com trejeitos masculinizados)
ganham muito prestígio no meio gay e assim se apoiam nessa “massagem de
ego” para continuarem agindo como agem, como se o retorno de ser bem quisto
bastasse para afirmar sua identidade. Essa tribo de gays são valorizados por
outros gays, uma vez que se baseiam na construção da sua identidade negando os
símbolos do feminino, buscando um corpo e ações idealizadas e
ausência de afetação. Com isso, eles conseguem chamar atenção no meio gay, uma
vez que se destacam como homens ideais, ou até mesmo se passam por “heterossexuais”
em ambientes que se espera ter somente gays.
Por fim, uma frase de Diego que resume bem o comportamento das
“barbies” é a seguinte: “O que se
estabeleceu historicamente foi uma busca, por parte de muitos indivíduos, que
não manifestavam desejo pelo sexo oposto, por uma representação que os
diferenciasse do feminino e que os aproximasse dos códigos da masculinidade,
como a virilidade, a força e o vigor”.
De certa forma, as atitudes das “barbies” são realmente o que todos os
gays querem. Não faço referências somente
às roupas e à busca do corpo perfeito mas também ao fato de lutarem
contra um estereótipo imposto aos gays: “mulherzinha”, “efeminado”, “delicado”.
Afinal, não somos “fêmeas”! Temos que nos diferenciar do feminino e
quem sabe até impor um novo gênero para podermos ganhar nosso lugar na
sociedade.